2º ANIMAGIA | OPINIÃO | Luís Bogo

Recebi, de Teresinha Heimann, coordenadora do 2º Festival Nacional de Teatro de Animação de Blumenau (Animagia), a missão de assistir aos seis espetáculos apresentados nesta edição. Quisera eu que todas as missões fossem tão prazerosas quanto esta. A arte transcende, e ainda que feita para atrair as crianças, é capaz de tocar as almas que carregam, pela soma dos anos, informações, referências e vivências que nos tornam ainda mais sensíveis à linguagem do teatro. Comecemos, pois. As fotos são do competente Marcelo Martins.

KASPERL E A CERVEJA DO PAPA

Em “Kasperl e a Cerveja do Papa”, apresentado pela Cia. Trip de Teatro (Rio do Sul/SC), conta-se a história que teria acontecido num mosteiro muito antigo, onde era produzida a melhor cerveja da região, e a notícia da visita do Papa causa grande confusão. Porém, o Frei beberrão, responsável pelo lugar, não consegue conter sua sede e entra em apuros a fim de que o Papa tenha a melhor cerveja em sua estada.
Mais uma vez, a Cia. Trip de Teatro, sob direção de Paco Parício, consegue entreter a plateia durante os 45 minutos de espetáculo, provocando gargalhadas das crianças e adultos, pois para que o Frei escape da enrascada em que se meteu, terá que contar com a ajuda de Kasperl, um herói “politicamente incorreto”.
O texto nos leva a reflexões sobre valores como a verdade e a mentira, e nos mostra que todos os seres humanos estão sujeitos a erros e acertos, que todos nós somos vulneráveis aos “pecados”, mas que, ao final, a verdade deve prevalecer.


O INCRÍVEL LADRÃO DE CALCINHAS

A segunda noite do 2° Festival Nacional de Teatro de Animação de Blumenau (Animagia), contou com a apresentação do espetáculo “O Incrível Ladrão de Calcinhas”, também da Cia. Trip de Teatro (Rio do Sul/SC). A história começa no escritório do detetive Bill Flecha, quando ele é procurado por Srta. Velda, uma “mulher-fatal” que tem sua “peça íntima” roubada e pagará qualquer quantia para tê-la de volta, e o que parecia um crime banal dá origem a uma série de outros crimes violentos, onde todos são suspeitos até que se prove o contrário, ou até que seus corpos sejam encontrados em algum beco escuro.
Mas, além da história em si, que por vários momentos arrancou risos e sorrisos da plateia, o que mais chamou a atenção no espetáculo, conduzido pelo ator e diretor Willian Sieverdt, foi o apuro técnico, a perfeita sintonia entre o palco e a equipe técnica responsável pela iluminação e sonoplastia.
Enquanto, no palco, Sievert demonstrava a sua já reconhecida e notável habilidade na manipulação dos bonecos, sons, luzes e sombras eram colocados de forma perfeita pelos cenários e por toda a sala do teatro.
Durante a peça, houve momentos de maior ou menor tensão, mas durante os 55 minutos de duração o público acompanhou a história policial – que em alguns momentos lembrou os enredos de Agatha Christie -, em total encantamento, principalmente pelo desempenho impecável do ator, que não apenas manipulava mas também interagia com os bonecos.

SONHATÓRIO

Na manhã seguinte, a Cia. Truks (São Paulo/SP), apresentou “Sonhatório”, utilizando a técnica de teatro conhecida como “Teatro de Objetos”, ou como o grupo também gosta de chamar, “Teatro Com Objetos”. Nesta peça, o grupo altera o uso cotidiano do objeto para construir criaturas ou simbolizar personagens.
Uma colher de pau se transforma em uma cozinheira, sacos de lixo viram águas vivas, garrafas térmicas serão pinguins, pequenas xícaras viram espevitados patinhos, uma chaleira branca um esplendoroso cisne, entre outras dezenas de criaturas. É com a utilização desses recursos que retratam os procedimentos de três supostos loucos, na hora do almoço, em um sanatório, para subjetivamente indagar: quem são os verdadeiros loucos nos dias de hoje? Não seriam aqueles, diferentemente dos protagonistas, incapazes de brincar?
Mais uma vez, a interação entre palco e plateia foi perfeita. As crianças presentes souberam participar quando eram estimuladas e ficaram extremamente atentas quando as cenas repetidas exigiam silêncio e concentração. E, novamente, os efeitos de iluminação tiveram destaque, com o uso de papéis brilhantes e de outros objetos que ganhavam formas mágicas sob as luzes dos refletores.

ALICE NO BRASIL DAS MARAVILHAS

O livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, foi publicado pela primeira vez em 1865. Desde então, é impossível dizer quantas versões foram produzidas com base no texto original e, muito mais, ainda, quantas interpretações surgiram a respeito da sua mensagem principal e da personalidade de seus personagens.
Na montagem do espetáculo “Alice no Brasil das Maravilhas”, realizado pela Essaé Cia (Joinville/SC), apresentado no 2° Festival Nacional de Teatro de Animação de Blumenau, nos defrontamos com uma proposta totalmente diferente de todas aquelas já discutidas: o abrasileiramento de todos os personagens e cenários imaginados por Carroll. Na peça, o Coelho apressado do País das Maravilhas é substituído pelo nosso Sapo Cururu, por exemplo.
Na apresentação da Essaé Cia., Alice vive numa fazendinha, curte a natureza e adora frutas e sucos naturais. Certo dia, quando escolhia a sombra de uma árvore onde sentar-se para ler um livro, encontra o estranho e apressado Sapo Cururu. Ao segui-lo, acaba por cair num buraco e vai parar num mundo totalmente estranho, onde encontra bichos como o tucano, o mico-leão, o papagaio, o bicho-preguiça e a onça pintada, além de um chapeleiro maluco. Todos alertam Alice em relação à malvada Rainha das Copas. No entanto, para conseguir voltar para casa, Alice precisa encontrá-la e disputar com ela uma partida de futebol. Mas não é nada fácil ganhar da Rainha!
Além deste aspecto, a apresentação da Essaé Cia. conta com elementos de dramaturgia trabalhados de forma muito profissional, a começar pela manipulação dos bonecos. A iluminação é primorosa e, com a utilização de tintas fluorescentes na confecção dos bonecos, todas as cenas ganham um brilho especial.
Indicado para crianças a partir de 3 anos, o espetáculo pode agradar a qualquer pessoa, mesmo que ela já tenha ultrapassado a idade indicada há muito tempo.

O CHINÊS E O DRAGÃO

Delicadeza e intimismo no espetáculo “O Chinês e o Dragão” da Cia CórtexArte de Curitiba/PR. O auditório Willy Sievert do Teatro Carlos Gomes foi tomado por elementos da cultura chinesa, como a música, as paisagens e a cultura popular desse país. Os 30 minutos de espetáculo, recomendado para crianças acima de cinco anos de idade, fizeram o público experimentar uma linguagem feita de silêncios e emoção. O personagem, Chan, atravessa as quatro estações, mas quando chega o inverno o lago congela e ele não pode mais pescar. As histórias contadas sem palavras são inspiradas no livro “Góru el mágico” da mexicana Natália Armienta.
O texto original trata de um tema muito caro aos organizadores do festival: a inclusão. Nele, o Dragão revela viver escondido no bosque porque é grande, “diferente” e provoca medo nas pessoas, por isso não tem amigos. Por sua vez, Chan é discriminado por não enxergar. No livro, o Dragão explica a Chan que apesar de não enxergar, ele tem outros quatro sentidos, além da intuição, o que é suficiente para ser feliz. Com a amizade entre eles se confirmando, o dragão diz para o velhinho subir em suas costas para darem uma voltinha pelo céu, coisa que os dragões só fazem com quem tem o coração puro.
Com certeza, esta mensagem de amizade entre “excluídos” faz com que crianças e adultos reflitam sobre a necessidade de observarmos antes as virtudes, a necessidade da empatia para a construção de um mundo mais humano e solidário.

BRINCANDO COM LIXO

O 2º Animagia foi até a Escola Básica Municipal Prof.ª Helena Martha Natalia Winckler, no bairro Velha, com o espetáculo “Brincando com Lixo”, da Cia Beto Malabares, de Gaspar (SC).
Os cenários e os bonecos são confeccionados com materiais reciclados e a mensagem principal é a proteção ao meio ambiente. O espetáculo não utiliza linguagem verbal, mas usa a música para criar emoção. A proposta do espetáculo é estimular a motricidade e a imaginação. Os personagens cativantes, envolvidos no enredo lúdico, conduzem a criançada à conscientização da importância da reciclagem para o planeta.
Não foi a primeira vez em que Beto Malabares apresentou este espetáculo nos festivais promovidos pelo Inarti, mas o fato de não ser inédito não tira a importância da mensagem, pois ressaltar a urgência de atitudes que colaborem para a conservação do meio ambiente é fator fundamental na educação infantil. Assim, “Brincando com o Lixo” faz com que as crianças se percebam como agentes transformadores e reconheçam o seu papel diante das agressões que o planeta Terra vive atualmente, agressões que provocam o aquecimento global e tantos outros transtornos que afetam a nossa qualidade de vida.